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24 / Sep / 2024
'Parei de advogar para vender marmitas': o que está por trás da explosão de MEIs no Brasil?

'Parei de advogar para vender marmitas': o que está por trás da explosão de MEIs no Brasil?

Foi produzindo marmitas que a advogada Rafaela Franchi Sampaio, de 35 anos, tornou-se microempreendedora individual (MEI).

Sua história como dona do próprio negócio começou de forma despretensiosa, quando ela passou a levar suas próprias refeições para o trabalho e uma de suas colegas elogiou sua comida.

"Aquilo despertou em mim, pela primeira vez, a vontade de empreender. Foi quando sugeri montar o cardápio da semana dela e vender os almoços", conta Rafaela.

O sucesso das marmitas foi tão grande que, em pouco tempo, a advogada passou a ganhar clientes e decidiu virar MEI.

"Gostei mais de empreender do que advogar. Mas não tinha coragem de pedir demissão", conta Rafaela.

"Na época, me questionava o porquê de trocar uma profissão com diploma para me arriscar no fogão em casa. Por isso, continuei vendendo marmitas como uma renda extra."

O empurrão que faltava aconteceu meses depois, quando ela foi demitida.

"Decidi parar de advogar para me dedicar a vender marmitas ? e não me arrependo", diz Rafaela.

"O salário que ganho hoje em minha empresa, com uma operação enxuta e organizada, é 500% maior do que quando advogava."

Na última década, o número de pessoas que se tornaram microempreendedores individuais como Rafaela mais do que triplicou no Brasil, segundo dados do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.

De 4,6 milhões de brasileiros que trabalhavam como MEIs em 2014, o país passou a ter 15,7 milhões em 2023.

Na prática, são pessoas que tocam sozinhas um negócio e que se formalizam como microempreendedores perante o governo.

Seu faturamento não pode superar R$ 81 mil no ano ou R$ 6,75 mil por mês, não é possível ter sócios ou ser sócio de outra empresa, ter filial ou ter mais de um funcionário.

Um MEI tem acesso a benefícios como simplificação e redução de impostos, acesso a crédito, direitos previdenciários, dentre outros.

Só no ano passado, de acordo com dados do Simples Nacional, 3,3 milhões de brasileiros se cadastraram como MEI ? o maior número em um único ano, desde que o programa foi criado em 2008.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam três fatores principais por trás deste fenômeno:

  • Menor interesse de brasileiros em trabalhar como CLT (carteira assinada), e uma busca por mais flexibilidade de horário e liberdade financeira por meio do empreendedorismo;
  • Aumento do fenômeno conhecido como "pejotização", em que pessoas à frente de empresas passam a prestar serviço para outros negócios não como pessoa física, mas como pessoa jurídica (ou PJ, no jargão popular) ? o que se popularizou por ser mais barato para empresas contratar um profissional como MEI do que como CLT;
  • Crescimento do desemprego na pandemia, o que fez muita gente empreender por necessidade, e ser MEI funciona como uma porta de entrada.

"Hoje, o microempreendedor individual tem uma opção de registro bastante simplificada e de baixo custo. A maioria paga menos de R$ 80 por mês de impostos. Isto também estimula as pessoas", diz Décio Lima, presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

'Difícil é manter o negócio'

Não são todos que conseguem como MEI repetir o mesmo sucesso de Rafaela e suas marmitas.

Uma pesquisa do Sebrae aponta que, de cada dez brasileiros que se tornam microempreendedores individuais, três fecham as portas com até cinco anos de atividade.

A artesã Ana Paula Argolo Nascimento, de 42 anos, abandonou o emprego de carteira assinada idealizando ter uma vida mais tranquila como MEI.

"Pedi demissão uma semana antes da pandemia", conta Ana Paula.

"Na época, fazia laços e tiaras, porém com o aumento de casos de coronavírus, passei a costurar máscaras."

O que ela apostava que seria uma história de sucesso virou um pesadelo.

"Com o fim da pandemia, minhas vendas reduziram drasticamente. Até tentei produzir novos produtos para captar clientes, mas as vendas nunca mais foram como antes", diz Ana Paula.

"Hoje, concilio o trabalho de microempreendedora individual com o de diarista e professora de reforço escolar. Não consigo mais sustentar a mim e à minha filha de 6 anos apenas com o que ganho como MEI."

A artesa? Ana Paula Argolo Nascimento pediu demissa?o para investir no pro?prio nego?cio, mas resultado não foi como ela imaginava

Segundo Flávia Paixão, especialista na profissionalização de pequenos negócios, histórias assim são comuns porque muitos brasileiros idealizam o que é trabalhar como MEI.

"Existe uma falsa sensação de que empreender é sinônimo de ter uma vida mais tranquila. Mas nem sempre é verdade", afirma Paixão.

"Tornar-se MEI não é difícil. Ao contrário, é fácil. O difícil é manter o negócio, porque, ao tornar-se um microempreendedor individual, a pessoa tem de fazer tudo, seja produzir o produto, encaminhar para o cliente, calcular o lucro no mês e até gerar suas notas fiscais."

Com o acúmulo de tarefas, muita gente não dá conta de administrar o próprio negócio.

'Pejotização'

No Brasil, a categoria de MEI foi criada em 2008 para estimular a formalização dos trabalhadores que estavam na informalidade e dar amparo previdenciário para as faixas de menor renda da população que atuavam de forma autônoma.

Mas, nos últimos 16 anos, o programa não ficou restrito apenas a quem mais precisava.

"O programa MEI teve sucesso em formalizar uma grande quantidade de trabalhadores autônomos, proporcionando acesso a benefícios sociais e direitos previdenciários", diz Bruna Alvarez, pesquisadora da Fundação Getulio Vargas (FGV).

"Mas a pejotização emergiu como uma consequência não intencional, onde trabalhadores que deveriam ser formalmente empregados foram contratados como MEIs, diminuindo a proteção social e os direitos trabalhistas."

Isso ocorre porque, atualmente, enquanto todos os trabalhadores formais contribuem para a Previdência Social com uma alíquota entre 7,5% e 14% (a depender da remuneração), a contribuição do MEI para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é de apenas 5% do salário-mínimo (R$ 70,60 em 2024).

Assim, segundo Alvarez, para pagar menos tributos, muitos empregadores têm deixado de contratar com carteira assinada para contratar microempreendedores individuais como prestadores de serviço ? o que faz o número de MEIs crescer.

Na prática, especialistas ouvidos pela reportagem apontam que o MEI acaba sendo contratado com deveres semelhantes aos de empregados com carteira assinada e, por isso, o mais adequado seria que fossem CLT.

Alvarez explica que isso acontece porque, enquanto a contratação via CLT exige limite de horas de trabalho, pagamento de horas extras, férias e um processo mais burocrático, a contratação de um MEI demanda apenas a emissão de nota fiscal e de um contrato de serviços, se necessário.

Em caso de "demissão", o MEI não tem acesso ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e ao seguro-desemprego.

Em um estudo, Alvarez concluiu que, até 2019, 53% dos MEIs trabalhavam, na verdade, como "pejotizados".

Dados da Receita Federal e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a Pnad Contínua, mostram que a quantidade de MEIs em relação às pessoas com carteira assinada aumentou.

Em 2012, havia um MEI a cada 13,5 trabalhadores com carteira assinada. Em 2023, havia um para cada 2,4.

"Seria importante implementar medidas que dificultem a pejotização, como maior fiscalização e penalidades mais severas para empresas que utilizam essa prática indevidamente", avalia a pesquisadora da FGV.

Já o economista Roge?rio Nagamine Costanzi defende a instituic?a?o de uma contribuição ao INSS ? assim como já existe para os empregadores formais ? para empresas que contratam servic?os prestados por MEI.

"Seria uma forma de restringir a pejotizac?a?o, em especial, aquela destinada a ocultar as relac?o?es de emprego."

Desemprego acelerou crescimento de MEIs

Outro fator que puxou o crescimento do número de MEIs no Brasil, de acordo com Mauro Oddo Nogueira, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foi a pandemia de covid.

Segundo ele, com o aumento da taxa de desemprego em 2020 e 2021, houve um crescimento do número de empreendedores por necessidade no país ? pessoas que, por não achar emprego, resolveram abrir um pequeno negócio para sobreviver.

"Durante a pandemia, muita gente desempregada encontrou no MEI uma forma de ganhar dinheiro. Isso também fez com que o número de microempreendedores individuais crescesse no país", aponta Nogueira.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2021, o Brasil registrou a maior taxa de desemprego anual dos últimos doze anos: 14%.

Também em 2021, 3,1 milhões de brasileiros tornaram-se MEIs, o segundo maior número da série histórica ? atrás apenas de 2023, que teve 3,3 milhões de novos registros.

Rone Carvalho

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